5 de dezembro de 2009

Jorge de Lima – O poeta-pintor e suas artes

Jorge de Lima (1895 – 1953), forma-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1914. Vive em Maceió de 1915 até 1930, quando se muda definitivamente para o Rio de Janeiro. Torna-se um escritor muito conhecido, e desenvolve, em paralelo, significativa produção em pintura. Por volta de 1927, começa a pintar de maneira autodidata e aperfeiçoa-se no ateliê da pintora Sylvia Meyer (1889 - 1955). Essa atividade mantém até 1953, ano de sua morte. Durante sua vida passou por vários momentos em suas criações: começou com o parnasianismo, a poesia negra, a místico-religiosa, a épica, chegando ter obras consideradas surrealistas.
A última obra escrita e publicada em vida do autor foi “Invenção de Orfeu”, da qual a compôs com um cuidado artesanal em sua forma, uma preocupação crescente com as sonoridades e os ritmos traduzido na tendência a diminuir a importância conferida aos versos livres da fase modernista e enveredada de múltiplos esquemas clássicos de métrica e rima (sonetos, oitavas, sextinas, terza rima, decassílabo).
Muitos críticos acreditam que a obra esteja relacionada aos acontecimentos de sua vida, como se “Invenção de Orfeu” fosse sua biografia. Mas ao analisar de maneira mais profunda, a obra apresenta muito mais do que apenas a vida do autor, pois esta relacionada e intercalada com toda sua arte, sejam suas obras escritas, quanto as plásticas: como a fotomontagem e a pintura.
Ao compor “Invenção de Orfeu”, o fez com todo sua lado detalhista e perfeccionista, escolhendo a forma épica e lírica. Sua escrita difícil demonstra todo esse cuidado estético, que igualmente aparece em suas obras plásticas. É como se Jorge de Lima estivesse tentando buscar sua eternalização transmitindo através desta obra toda uma vida de pensamentos e sentimento de mundo.
Jorge de Lima, geralmente desenhava as capas de suas obras, mas a 1ª edição de “Invenção de Orfeu”, a capa que compôs a obra foi de Fayga Ostrover.
Fayga Ostrower estava na década de 50, mudando seu estilo artístico de figurinista para uma arte abstrata, sendo uma das pioneiras no Brasil. Suas obras revelavam uma constante preocupação de conteúdo social, impresso em formas, planos, linhas e ritmos, assumindo um caráter expressivo, independente e estabelecido à um nível plástico.
Não existem registros sobre o motivo da escolha de Jorge de Lima pelas ilustrações de Fayga Ostrower, mas ao fazer uma analise de sua ilustração sobre “Invenção de Orfeu”, acredita-se que o autor buscasse uma ilustração mais introspectiva à sua obra, e Fayga expressava em sua arte exibicionista, a verdadeira impressão que Jorge de Lima queria transmitir aos seus leitores, fazendo de uma única obra um conjunto delas, ou seja, toda vida e arte impressa de forma poética.





(Capa 1ª Edição – Invenção de Orfeu – Ilustração Fayga Ostrower)










(Ilustração interna “Invenção de Orfeu” – Fayga Ostrower)










Pode-se perceber que os traços das duas ilustrações feitas por Fayga Ostrower, apresentam o entrelaçamento presente em “Invenção de Orfeu”, que tem como uma de suas características, um linguajar complexo e difícil. Esse entrelaçamento ilustrado por Fayga é identificado com a escrita de Jorge de Lima, que relaciona sua escrita poética com seu amor pelas artes plásticas.


Não há atividade mais fiel
Que a de pintar em cores a ilha.
Como os efeitos não persistem
Devo chorar muito depressa.
A espátula corre sobre a tela,
Nascem raízes sobre a terra,
Os corpos ficam cor de barro,
Vou enterrá-los sem pincel.
Composição desordenada
Fica ao crepúsculo colossal;
E tudo agora se compara
Ao horizonte vegetal
Há todavia luz nas cores
Para que as veja saturadas
Nesse crepúsculo verde-negro.
Musgo nascendo de repente,
Eras passando nesse espaço.
A proporção é desmedida,
Enche as distâncias desoladas
Cobre as estrelas nunca fixas,
Muda a paisagem cada tarde,
A luz informa fosseis vivos,
Vulcões mastigam rochas neutras
Pondo lacunas nas criaturas.
Meu crescimento é sem limites,
Há conseqüências tenebrosas
Mas já não bastam nostalgias
Pois sobem asas assombradas,
Predecessores exilados
Jazem de borco em marés baixas.
Essa maneira é mais continua
Mais luxuriosa e mais devassa;
Novos rigores instalados,
Climas diversos sublevados,
Outros tetardos massacrados,
Vários “cromagnons” enforcados,
Particularmente danados.
Ó dura legenda incendiada,
Ó palimpsestos humanados!
Esse o imenisíssimo poema
Onde os outros entrelaçaram,
Datas, números, leis dantescas,
Início, início, início, início,
Poema unânime abrange os seres
E quantas pátrias. Quantas vezes.
Poema-Queda jamais finado
Eu seu herói matei um Deus
Genitum non factum Memento.
Não sou a Luz mas fui mandado
Para testemunhar a Luz
Que flui deste poema alheio. Amen
.




(Invenção de Orfeu – Canto I – Poema XXIX)


No poema citado Jorge expressa sua intimidade com a arte plástica, retratando imagens já expressadas através de suas pinturas a óleo em telas e suas fotomontagens, como percebido nos versos “A espátula corre sobre a tela” e “Vou enterrá-lo sem pincel” para a pintura e “Composição desordenada” e “A proporção é desmedida”, para a fotomontagem. Durante todo o poema a escrita, a pintura e a fotomontagem se entrelaçam formando novas imagens que sobrepõe uma à outra, apresentando sua despreocupação com a lógica e criando um conjunto que se organiza com as diferenças entre cada imagem criada individualmente.
Jorge de Lima, foi considerado por muitos, um artista completo, pois era médico, escritor e pintor. Mas seu estilo como artista plástico, foi composta sob a influencia de vários outros artistas como Max Ernst, na fotomontagem, Portinari e Picasso na pintura. Suas obras, de certa forma, acabam dialogando com as destes e outros artistas. Jorge foi o pioneiro com a arte da Fotomontagem no Brasil, da qual Max Ernst define como um mecanismo de colagem onde existem vários elementos que causam uma confusão sistemática e a perda de todos os sentidos, ou seja, a cultura dos efeitos de um estranhamento sistemáticos. Jorge emprega em suas obras uma transposição de sentidos, fazendo uma associação de idéias comparando com a obra visual e a poesia. A transposição causa nova função e sentido na interpretação das obras comparadas.
A poesia de Jorge de Lima funciona, de certa forma, relacionada a uma espécie de poética transvestida em suas próprias pinturas e fotomontagens. E em 1945 diz sobre sua pintura: “Já disse e repito, minha pintura, deficiente, imperfeita, autodidata é tão somente um complemento de minha poesia”.
Apesar de suas obras apresentarem uma estrutura estética autônoma e independente de sua poesia, fornece muito mais que apenas um complemento, mas também a construção de uma nova imagem gerada por sua montagem ou sua pintura, fazendo com que essas imagens se entrelaçam entre si, tornando possível a criação da imagem poética de forma iluminada


Exercício.

Como já citado anteriormente, Jorge de Lima imprime na obra “Invenção de Orfeu”, além de sua vida, suas obras plásticas. Mediante o que já foi explicado anteriormente, relacione a Pintura a Óleo, “Pássaros e Flores”, de 1941. com o poema XIV e XV do canto IV.


Invenção de Orfeu – Canto IV – Poema XIV e XV

Nasce do suor da febre uma alimária
Que a horas certas volta pressurosa.
Crio no jarro sempre alguma rosa.
A besta rói a flor imaginária.

Depois descreve em torno ao leito uma área
De picadeiro em que galopa. Encare-a
O meu espanto, vem a besta irosa
E desbasta-me o juízo em sua grosa.

Depois repousa as patas em meu peito
E me oprime com fé obsidional.
Torno-me exangue e mártir do meu leito,

Repito-lhe o que sou, que sou mortal.
E ela me diz que invento esse delírio;
E planta-se no jarro e nasce em lírio.







A 2ª fase do Modernismo no Brasil

Recebendo como herança todas as conquistas da geração de 1922, a segunda fase do modernismo brasileiro se estende de 1930 a 1945.
Período extremamente rico tanto quanto à produção poética como à prosa, reflete um conturbado momento histórico: no plano internacional, vive-se a depressão econômica, o avanço do nazi-fascismo e a Segunda Guerra mundial; no plano interno, dá-se a ascensão de Getulio Vargas e a consolidação de seu poder com a ditadura do Estado Novo. Assim é que, as pesquisas estéticas e o universo temático se amplia, e o artista apresenta-se preocupado com o destino dos homens.
A poesia desta segunda fase do Modernismo representa um amadurecimento e aprofundamento das conquistas da geração de 1922, percebendo-se, inclusive a influencia exercida por Mario de Andrade e Oswaldo de Andrade sobre os jovens que iniciaram suas produções poéticas após a realização da Semana de Arte Moderna, da qual muitos deles aproveitam a liberdade estética conquistada e elaborada em uma nova linguagem, mais comunicativa e pessoal. Os poetas desta fase desenvolvem suas próprias tendências sem a preocupação de chocar ou agredir o público.
Uma característica muito marcante desta fase foi o Movimento regionalista que se destacou pela revelação de graves problemas regionais e, no plano estético, pelo aprimoramento da técnica e linguagem romanescas. Mas a poesia também apresenta fortes características dentro da literatura moderna, que consiste em uma elaboração mais madura e consistente do trabalho poético, desenvolvendo várias linhas temáticas que marcam definitivamente a presença da poesia moderna no Brasil, entre elas o social, a religiosa, a espiritualista e a amorosa.


Jorge de Lima, a Modernidade e “Invenção de Orfeu”.

Jorge de Lima teve grande participação do Modernismo no Brasil. Mesmo iniciando sua participação artística em 1927, com a obra “O acendedor de Lampiões” ele esteve vivamente presente em todo movimento modernista.
Acredita-se que Invenção de Orfeu é um poema caracteristicamente moderno e, nesse sentido, vai apresentar de modo explicito características que dificultam a sua compreensão – mas que enriquecem sua expressão artística, entre elas são:

- seu caráter predominantemente metalingüístico (a poesia que fala dela mesma);
- o rompimento da idéia da linearidade do tempo cronológico.
- a supressão da diferença entre fantasia (sonho) e realidade
- o privilégio da forma ao conteúdo.
- o caráter mágico da poesia.
- a poesia é caracteristicamente feita através do trabalho poético.
- desarticulação da linguagem, desfazendo e criando uma nova perspectiva para o discurso poético, preponderantemente moderno.

Jorge de Lima em Invenção de Orfeu recuperou os múltiplos significados da modernidade. Em uma nova escritura, Jorge de Lima traz para a modernidade suas reflexões sobre o sentido da vida a respeito de sua própria arte, numa espécie de revalorização de concepções necessárias ao mundo moderno e uma série de conflitos originados dessa “modernização”: o apagamento do eu, o rompimento com a estética tradicional, etc. Desse modo, a figura de Jorge de Lima está presente de forma constante em sua poesia, seja de forma explícita ou de maneira metafórico–simbólica (pelo significado de sua arte em sua representação figurada).



Exercícios

1) Pesquise na obra “Invenção de Orfeu”, de Jorge de Lima pontos que apresentam as características marcantes que a identifique como uma obra tipicamente moderna e seus apontamentos.


2) Através do conhecimento sobre a arte poética de Jorge de Lima e das características do Modernismo, represente em forma poética a Pintura de Jorge de Lima, “Cavalos Alados” de 1940.








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